sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Problemas e Soluções

Dois colegas discutiam um problema na minha frente.

- Acho que a causa de tudo isso foi termos mudado o controle do sistema - argumento um.
- Não. Não - esse é mais impaciente - foi a rebiboca da parafuseta!!

Não vou me meter, penso. Não tenho nada que ver com isso. Estou fazendo outra coisa. Eles que são brancos, fodões e certificados que se entendam.

- Mas trocar a rebiboca causaria um impacto.

Impacto. Eis uma palavra que esse pessoal adora. Quando encontram algum termo, expressão ou neologismo novo o agarram e repetem a exaustão, até não lembrarem mais qual era o verdadeiro sentido da palavra. Afinal, eles precisam mostrar conhecimento e causar, hã, impacto quando falam.

- A rebiboca não me preocupa, o problema depois é que afetaria a performance.

Performance. Outra dessas palavras que já me entram por um ouvido e saem pelo outro toda vez que um desses geniozinhos acha um jeito de enfiá-la nas suas frases de impacto.

- Não. Acho que temos que mudar o controle da sessão da rebiboca da parafuseta!!

Falam tão alto que eu quase não ouço meus pensamentos. "Inútil não pensa", penso. Penso? Ok, esquece. O meu problema com a discussão dos notáveis colegas era que eu já tinha trabalhado no sistema que eles estavam falando, mas como agora eu estava envolvido em outro projeto, queria manter uma distância regulamentar pra não criar incomodação.

Até que o inevitável aconteceu. ELA me apareceu. Na forma de uma visão. Ela era simples. Tinha um corpo pequeno e esguio que a fazia ágil. Apareceu do nada em cima da mesa do meu colega e já saiu acenando vivamente na minha direção. De quem eu estou falando? Dela. A Solução do Problema.

Meu primeiro impulso foi olhar para os meus colegas, esperando que eles também a estivessem vendo. Decepção. Eles estavam muito ocupados fazendo retórica.

- Mas eu acho que o impacto da mexer na rebiboca da conexão da sessão seria inversamente proporcional a performace obtida pela inversão...

A Solução continuava ali, do lado do telefone do meu distinto colega, com seus olhinhos claros e miúdos acenando pra mim. E eu começava a suar frio. Não, pensei, não vou falar nada. Não vou estragar o momento dos meus colegas entregando a Solução para eles.

Mas a Solução começou a achar graça do discurso e começou a tripudiar dos dois arautos da verdade. Virou-se para eles, encostou os polegares no rosto e abanando as mãos fez:

- Pllllrrrrrrrrrrrrrr!!!!!

Mas meus capacitados colegas não ouviram e a Solução achou mais graça ainda. Começou a dançar em cima da mesa, acenando e fazendo gestos de criança que quer chamar atenção, enquanto cantarolava:

- Nãninãnã, nãninãnã, nãninãnã!!!

Não vou falar, não vou falar, não vou falar. Mas eles não a viam.

- A rebiboca da parafuseta não pode funcionar assim!!! – continuava o mais empolgado.
- Eu sei. Não estou falando isso. Talvez se fosse mudado a forma como...
- Nãnãnã, nãnãnã, nãnãnã!!! – eu a ouvia cada vez mais alto. A Solução agora sapateava em cima do monitor do computador do meu colega.
- Olha, acho que tenho uma idéia.
- Fala.
- Vamos garantir a performance reduzindo o impacto!

A Solução teve um acesso de riso quando ouviu isso. Tanto que caiu em cima do telefone, tirando o fone do gancho. Eu mesmo tive que segurar o riso naquele momento. Então ela pôs o fone em cima da cabeça, enfiou umas canetas no nariz e continuou sua dancinha de escárnio para os meus colegas, que, mesmo com tudo isso, não conseguiam enxergá-la.

Já era demais. Eu estava quase zonzo e com medo de ficar louco.

- CHEGAAAAAAA!!!!!!! – disse, calando os meus empolados colegas.
- Que foi?
- Caceta, cês não tão vendo que tudo que vocês têm que fazer é trocar X por Y?????

Meus colegas se entreolham. Pronto, agora viria o meu arrependimento.

- Mas e a performance?
- E o impacto?

Calei-me. Meus colegas continuaram a encher de retórica a lingüiça da incompetência. Eu e a Solução olhamos um para o outro. A Solução dá de ombros pra mim. Eu faço um gesto com a mão como que lhe dizendo "bem, eu tentei". Ela me dá um aceno de "bye-bye-baby" e vai para dentro da gaveta da mesa do meu qualificado e bem pago (melhor que eu, leia-se) colega. Pode ser que um dia ele a encontre ali.

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