quarta-feira, 18 de julho de 2007

O sentido da vida - A era do descartável

Domingo morreu um colega. Não era meu amigo, apenas um cara que sentava dois metros para a esquerda. Perdeu para o câncer. E para a era do descartável.
Ele usava copos descartáveis, vestia roupas descartáveis, tinha quinquilharias eletrônicas descartáveis, andava num carro descartável. Ele era descartável. Assim como todos, por pior espécime que seja, no dia do seu funeral foi canonizado. Virou santo, instantâneamente. Todos aludiam e valoravam suas atitudes. Era um bom colega. Era um bom amigo. Era um bom profissional, marido e pai.
Mas era descartável.
Segunda-feira veio alguém do depto. pessoal [SIC] e juntou as coisas de sua mesa. Ponto. Fim da história. Pode passar o próximo, por favor? Apesar de todas as suas virtudes, será facilmente substituído, por outro igualmente descartável - mera peça da máquina que move a nossa era. A era do descartável.
Como tudo nesta era, a cara virou lixo. Expirou. Não produz mais. E foi descartado. Foi empilhado em prateleira de concreto, o último apartamento, como milhares, milhões de outros. Agora é apenas mais um estorvo, ocupando um precioso espaço, assim como todo e qualquer descarte produzido às toneladas pela era do descartável. Lixo. Tóxico, nuclear, industrial, hospitalar, doméstico, reciclável, não reciclável, poluente, infectante. Lixo humano.
Segunda-feira foi um dia como tantos outros. Apenas jogou-se fora uma pequena peça descartável. Isso não causa impacto. Ninguém realmente se importa. Não tem valor, pode ser facilmente substituído. Todos seguem suas vidas automatica e normalmente, como boas engrenagens, que ao mesmo tempo produzem, consomem e são consumidas pelo processo.
Mas e o processo? Seria também descartável?
Provavelmente. Em termos históricos, durará pouco tempo. Infelizes daqueles que viveram e compactuaram com tal barbárie. Seremos execrados no futuro. Bárbaros! Irracionais! Isso se ainda existirmos enquanto espécie, se sobrevivermos a esta era.
Mas por agora sigamos no processo. Temos que ter cada vez mais coisas. Coisas que duram cada vez menos. Não há tempo a perder com tolices, como as verdadeiras relações humanas, a liberdade, a introspecção, o pensamento, a vida. Eu mesmo vou imediatamente parar de produzir este lixo literário e voltar aos meus milhões de linhas de código, tão imprescindíveis para mais um produto descartável da nossa era.

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