quarta-feira, 28 de julho de 2010

Porque concurso público para formação de cadastro reserva é ilegal

Como concurseiro, passo boa parte dos meus inúteis dias estudando a base legal desta republiqueta, pátria amada, idolatrada, o meu Brazzzil varonil. Por isso, "me sinto no direito" [SIC] de dar meu pitaco sobre o tema mencionado no título deste, vestindo a carapuça de doutorzinho de porra nenhuma, sem doutorado, sequer mestrado, gerador infinito de jurisprudência. "Bamo lá entonce", como se diz por estas bandas orientais do rio Uruguai.

O concurso público é um ato normativo (no caso, formado pelo Edital, que tem valor de norma por criar e regular o processo seletivo e as especificidades de classificação e admissão) do direito administrativo, derivado do dito "poder-dever de agir" do Estado, no sentido qual seja imperativa a contratação de servidores para o bom atendimento de um determinado serviço público. Desta forma, enquanto faltante no seu compromisso fundamental de atender ao interesse público por carência de pessoal, cabe à administração tomar providência para realização do concurso ou de contratação direta, comissionada ou temporária, conforme o caso previsto em lei.

Uma vez disposta a legalidade de se realizar concurso, é aceita universalmente, também, a classificação como ato normativo vinculado (ou seja, derivado do poder vinculado, inquestionável e não passível de decisão) a homologação do resultado de tal certame, que por sua vez produz - também sem possibilidade de contestação, negação ou falha - a obrigatória nomeação dos aprovados segundo as regras constantes no edital.

Ora, avaliando-se então a legalidade do ato administrativo de processo seletivo público para contratação incerta (discricionária, sujeita à decisão) de pessoal (ou seja, "concurso para formação de cadastro reserva"), temos as seguintes violações:

- princípio da moralidade: Considerado por alguns como sinônimo de probidade administrativa, tal princípio é violado pois há gasto do dinheiro público, com provisão orçamentária mas sem objetivo certo, que pode atingir grande vulto (dependendo do concurso chega-se facilmente às dezenas de milhões de reais, como por exemplo qualquer certame de abrangência nacional).

- princípio da eficiência: Tal princípio, que pode ser entendido pela correta relação custo x benefício do ato administrativo, é violado tanto para o administrador quanto para seus administrados, pois não há garantia de que o gasto estatal reverterá em mão de obra qualificada, tampouco que os aprovados obterão sua colocação empregatícia legalmente alcançada.

- princípio da continuidade do serviço público: Será violado se, na ausência de pessoal qualificado durante o prazo de vigência do concurso, o atendimento da necessidade seja restrito em quantidade ou mesmo em qualidade, segundo algumas interpretações.

- prerrogativa do poder vinculado: Conforme explanado anteriormente, a necessidade originária, o concurso, a homologação e a nomeação dos classificados são atos vinculados, não podendo estar sujeitos à decisão discricionária (vontade) do administrador.

- princípio da motivação: O fato administrativo (falta de pessoal) obriga (vincula) o administrador ao ato administrativo (contratação de pessoal). Como o vício de motivo/motivação é defeito não sanável, o ato administrativo de "talvez contratar pessoal" é ilegal, nulo e não pode produzir efeitos; caso já os tenha produzido, estes devem ser totalmente revertidos.

- princípio da razoabilidade: Traduz-se na obrigação do administrador em agir com equilíbrio e bom senso. Ora, não parece ser do senso comum dispender de milhões num processo que tem possibilidade concreta e, pior ainda, discricioária, de resultar em absolutamente nada.

- princípio da finalidade: Ligado ao princípio da impessoalidade, busca preservar o bem da coletividade em todo e qualquer ato do Estado. Nesse sentido, parece óbvio que não há finalidade lícita em autorizar o processo de seleção de zero funcionários.

- princípio da supremacia do interesse público: Também neste caso, não soa do comum interesse dos administrados a existência de tal processo, participantes ou não da seleção. Além disso, ainda pode-se imputar a violação deste princípio, bem como o da moralidade, caso haja suspeita de favorecimento da comissão ou entidade organizadora, enquanto único beneficiado.

- teoria da responsabilidade sobre atos administrativos, por ação: Decorre da teoria do risco administrativo, que postula a responsabilização do Estado por seus atos objetivos. Como não há culpa do administrado, neste caso, o Estado não pode lançar mão de atenuantes, devendo, pelo menos, a restituição do investimento ao candidato.

- princípio da gratuidade: Tendo em vista que a lei versa que todo processo administrativo deve ser isento de custas, ou, se cobrado deve, no máximo, igualar seu custo de expedição, pode-se considerar que todo e qualquer concurso público viola este princípio, já que a organizadora recebe verba do Estado e também cobra inscrição do candidato. Há controvérsias se essa dinheirama vai para o erário, para a organizadora, para o bolso de alguém ou uma combinação destas possibilidades. Em todo caso, um agravante perverso reside especialmente no caso onde o candidato, que dispende de seus recursos, é aprovado e não contratado.

- ausência de possibilidade de revogação de ato administrativo que gera direito adquirido: Conforme a legislação vigente, todo concurso público para provimento de cargos deve ter regras claras e objetivas de classificação e torna obrigatória a nomeação dos aprovados; em outras palavras, o candidato aprovado de acordo com as regras do certame adquire o direito àquela vaga no serviço público. Desta forma, o ato de criação de um concurso que desobriga nomeação e não quantifica aprovados não poderia produzir efeito legal.

Partindo do acima escrito, exposto e defendido por mim, podem-se embasar futuras petições, arguições, solicitações, reclamações, mandados, habeas, impugnações e todas as outras formas (inúteis) de tentar mudar uma das grandes verdades universais: "O Estado legisla no interesse do Estado." [2x2eh4, o inútil, 2010].

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