quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

Conto de Natal da SIC - Parte Final

(Uhú! Acabei essa merda! Leio as outras partes nos posts anteriores)

Entrou no apartamento esbaforido. Atirou-se no sofá e ficou pensando porque, afinal, aquilo tudo tinha que estar acontecendo logo com ele. Como se ele, um reles inútil, tivesse alguma importância. E o que eram esses fantasmas-estereótipos? Como seria o próximo? Um nerd? Um cientista maluco? Um chefe-arara? Levantou e foi na cozinha preparar mais uma dose de cuba. Já que provavelmente não ia ter como fugir do fantasma, então o melhor era enfrentar a situação preparado.

Quando voltou, de copo na mão, reparou que já eram mais de onze horas da noite. Talvez o próximo fantasma nem viesse. Quem sabe? Mas o seu otimismo foi embora quando ouviu um ruído conhecido atrás de si. Era aquela barulheira insuportável de quando o fax-modem do computador se conecta com a Internet. O único problema era que o seu computador estava desligado.

Já imaginando o que ia acontecer, Overman derrubou todo o conteúdo do copo goela abaixo. Olhou para o seu velho computador de guerra e viu que uma luz avermelhada estava sendo projetada pelo monitor. Um segundo depois, no lugar aonde o facho de luz apontava, surgiu uma estranha criatura. Não tinha rosto, era apenas uma longa capa escura tapando um corpo, ou seja lá o que tinha ali embaixo. Overman não se abala diante da figura, e já sob efeito da última dose, tenta iniciar um diálogo:

- Nossa. Gostei dos efeitos especiais. Com esse aditivo aqui então – aponta para o copo vazio – ficou melhor ainda.
- ...
- Tu não fala não?
- ...
- Ah, entendi. O espírito dos natais futuros não fala, claro. Afinal, o futuro não aconteceu ainda. Né, não?
- ...
- Mas me diz, chefia, o que exatamente tu é? Um Nazgûl? O Darth Vader? Um dementador? O Mancha-Negra?
-...
- Hehehe. Legal isso. Posso perguntar qualquer coisa e tu não reage. Que time é teu?
- ...
- Tá, e então? De que forma irônica iremos ver o futuro?

O fantasma lentamente levanta o braço e aponta para a tela do computador.

- Nesse monitorzinho de 14 polegadas? Mas que sem graça...

A criatura balança a cabeça, em negativa. Neste instante a luz avermelhada começa a ser projetada novamente, mas desta vez em todas as direções e com mais intensidade, cegando Overman por alguns segundos. Quando ele pôde enxergar novamente, não estava mais no seu apartamento. Ele e o fantasma voavam numa velocidade absurda dentro de alguma espécie de rede de túneis high-tech. À volta deles passava todo tipo de imagem, som, luz e movimento, num caos enlouquecedor. Logo Overman percebeu onde estavam.
- Caralho!! Isso aqui é a Internet?? Mas essa não pode ser a minha conexão discada. Ela não seria tão rápida assim.

Terminou esta frase e foi atingido na cara por um objeto estranho e pegajoso. Desgrudou aquela coisa mal-cheirosa e examinou com as mãos.

- Que isso? Tem um negócio escrito aqui. “Enlarge your penis”. Merda! Fui atingido por um spam!!

Nesse momento de distração ele não percebeu que o túnel o qual viajavam terminou. Ele e o fantasma caíram dentro de uma grande sala. Overman, depois de se recuperar do tombo, olhou em volta e viu que a sala não tinha janelas. Na sua frente, havia uma espécie de púlpito com um metro de altura. Não havia ninguém além deles na sala.

- Tá, seu Mancha. E agora?
- ...
- Imaginei.

Foi quando surgiu um homem de uma porta à esquerda, que vinha caminhando apressado e xingando um outro, que vinha mais atrás.

- Vamos com isso Dante! Rápido que tem mais dois inúteis pra despachar hoje.

Dante carregava com dificuldade uma grande caixa de papelão. O outro homem dirigiu-se para a parede rente ao púlpito. Abriu um painel que havia escondido ali e pressionou uma seqüência de botões. Feito isso, o teto do púlpito se abriu e lá de dentro surgiu um grande caixão preto.

- Vai Dante. Abre isso daí e despeja ali no incinerador.

Dante, atrapalhado, abriu uma outra portinhola, que ficava na lateral do púlpito. Depois, abriu a caixa de papelão e começou a despejar o seu conteúdo lá dentro. Eram várias folhas esverdeadas, de tamanho mediano. Overman, que até então tinha observado tudo impassível, e percebendo que os dois homens não podiam ver nem ele nem o fantasma, aproximou-se da caixa de Dante e retirou uma daquelas folhas de dentro, antes que fosse para o incinerador também. Olhou para ela e levou um susto. Decidiu verificar outra folha também. Mesma reação. Olhou outra e outra e outra. Ficou em pânico e correu para o fantasma.

- Isso aqui, mas ali...Aquilo...Aquela caixa...
- ...
- São contra-cheques! Meus!! Tem trinta e cindo anos de contra-cheques ali!! O que significa isso??

Dante, como se tivesse ouvido Overman, dirige a palavra para o outro homem:

- Não vem ninguém não?
- Não – responde o outro – não tem ninguém.
- E esses contra-cheques? Porque vão ser usados pra isso?
- Pedido do próprio cara. Ele não deixou mais nada mesmo.
- Credo. Devia gostar de um sarcasmo, o cara.

O homem acionou mais uns botões no painel e o caixão começou a baixar lentamente. Uma música fúnebre começou a tocar. Em seguida, os dois funcionários da funerária foram embora. Mas podia-se ouvir o inconfundível ruído das chamas vindo de dentro do incinerador. Foi o suficiente para Overman recobrar a indignação com os fantasmas natalinos.

- Então seu fantasma, era isso que o senhor queria me mostrar? Que eu vou morrer velho e sozinho e, ainda por cima, tostado nos meus próprios contra-cheques??
- ...
- Quer dizer então que eu vou trabalhar a vinda inteira, encher o rabo de dinheiro, mas não vou ter mais nada? Minha vida vai ser meu trabalho? Não vou construir nada, não vou realizar nada, não vou inventar nada, nem vou salvar a humanidade. Projetos pessoais, realização pessoal, nada? Não vou escrever um livro, não vou plantar uma árvore nem vou ter um filho? Mas em compensação, vou ser sempre um funcionário exemplar??
- ...

A música fúnebre ficava mais alta, mas não era suficiente para abafar o barulho das chamas.

- E ainda por cima vou ser enterrado numa VÉSPERA DE NATAL???
- ...
- Fala alguma coisa, criatura imprestável!!

Tomado pela raiva, Overman arranca a capa do fantasma, mas no lugar de ver algum tipo de corpo por baixo, ele recebe um clarão daquela luz avermelhada nos olhos e perde novamente a visão.

Quando volta a enxergar, já não está mais no crematório. Ou melhor, está, mas não exatamente. Overman está agora dentro do caixão. O calor é intenso e algumas chamas começam a romper a madeira. Overman, ao perceber que aquele deveria ser o seu momento final, buscou dentro de si aquela que seria a sua última frase, e que deveria expressar, da melhor maneira possível, todo o seu sentimento diante de tudo aquilo:

- PUTAAAA QUE O PARIUUUU!!!!!!!!!!

***

Acordou. Estava deitado no sofá do seu apartamento. O copo de cuba estava firme na sua mão ainda. Sentiu a cabeça doer e rodopiar. Lá fora se ouviam fogos de artifício, pois já era meio-noite do dia de Natal. Sentou-se e respirou fundo. Largou o copo no chão. Um minuto depois, tocou o telefone. Levantou-se e atendeu.

- Alô... Mãe??...Ah é, feliz Natal.

FIM.

(Fim?)

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