terça-feira, 21 de dezembro de 2004

Conto de Natal da SIC - Parte III

(A saga de auto-piedade natalina continua. Leia o início da história nos posts anteriores)

Overman chamou o elevador. Enquanto esperava, não tirava os olhos do corredor, com medo de que a velhinha reaparecesse, para decerto mostrar mais algum daqueles natais passados. Como aquele em que ele foi na festa de confraternização da firma do pai, e ficou com medo do Papai Noel.

Chega o elevador e Overman entra desatinado, mal reparando na figura do ascensorista sentado no canto. Mas este em seguida se faz notar.

- Ae mano. Pra onde?

Overman estava ainda tentando racionalizar tudo o que tinha acontecido até agora, por isso a resposta saiu quase automática:

- Térreo.

Quando o elevador começa a descer é que Overman finalmente tem um estalo do que está acontecendo ali.

- Êpaaaa!!!! Desde quando esse prédio xinfrim tem ascensorista?? Não vai me dizer que...
- É nóis, mano. Tá ligado nas parada dos natal presente aí?

Overman bate com a mão espalmada na própria cara.

- Não, não pode ser. O fantasma do Natal presente é um "mano". Não me falta mais nada...
- Ae mano, respeito, tá ligado? Vamu chega numas parada de Natal de umas pinta aí.

Overman choraminga, mas fica em silêncio depois, protestar não ia adiantar mesmo. Assim que o elevador parasse ele dava no pé dali. Mas o elevador parecia ter descido muito mais do que os três andares que antes o separava do térreo. E descia cada vez mais rápido, ao ponto de Overman quase cair no piso. Até que parou. Tão bruscamente que ele teve a sensação de que ia ser esmagado contra o teto. Perdeu o equilíbrio com essa movimentação toda e se estatelou de vez no chão. O fantasma permanecia imóvel. Até que a porta abriu.

O plano de Overman de sair correndo alucinadamente dali direto para um hospício foi frustrado. No lugar do corredor do térreo do seu prédio o elevador parecia ter ido parar na sala de jantar de alguma casa, que Overman nunca tinha visto na vida. A sala estava apinhada de gente com roupas de festa conversando alegremente. Decoração natalina, comida sendo servida, enfim, a típica ceia natalina de propaganda de peru de Natal. Até que uma figura conhecida de Overman adentrou na sala.

- Aquele cara ali, eu conheço, é aquele incompetente puxa-sacos filha-da-mãe que trabalha comigo. E que ganha mais do que eu, óbvio.
-Cerrto mano. Preistenção.

A ceia rolava alegremente, e o colega de Overman distribuía sorrisos para todos os lados. Cumprimentava e era cumprimentado, comia, bebia, ria, se divertia. Overman, apenas cruzou os braços e olhou para o ascensorista-fantasma.

- Humpf. Qual o próximo andar?
- Opa, demorô.

A porta fechou e o elevador desceu mais ainda. Quando abriu a porta de novo, a cena era semelhante a anterior. Apenas o lugar e as pessoas mudaram. Em seguida Overman reconheceu seu chefe no meio das pessoas, posando para uma foto, com uma taça de champagne na mão. Overman não esperou muito desta vez.

- Próximo andar, por favor!!
- Tô ligado.

Dessa vez o elevador parou num lugar conhecido. E as pessoas também eram conhecidas. Era a sua família, ou o que restou dela, preparando a ceia de Natal. Sem ele, óbvio, que estava em outra cidade. O clima não era lá essas coisas. Parecia mais um velório do que uma véspera de Natal naquele lugar. Dessa vez Overman não foi agressivo com o ascensorista, apenas pediu calmamente:

- Mano, me leva de volta.
- É nóis.

Mas enquanto o elevador subia, Overman aproveitou para despejar a sua indignação em cima do fantasma.

- Então vem cá. Me diz um negócio. Isso tudo foi pra mim ver que esses caras que eu chamo de incompetentes, puxa-sacos, baba-ovos e coisas do gênero, esses seres que eu considero desprezíveis, desqualificados e sem moral, essas pessoas amorfas e descerebradas que trabalham comigo e que faço questão, sempre que posso, de diminuí-los, achincalhá-los, desprezá-los, cuspir na cara e fazer gozação deles no blog, esses caras na verdade tão cagando pra tudo que eu digo de mal deles? A minha indignação pela tem importância zero?
- Firrmeza.
- Eles tem a vida deles, a família deles, as namoradas, os carrinhos, os celulares que tiram foto e que por mais que eu me ache muito mais profissional e qualificado que todos eles juntos isso não faz a menor diferença!! E eu sou um inútil completo que não tem vida fora do trabalho e que quando chega a merda do Natal eles ficam lá ganhando tapinhas nas costas dos cunhadinhos advogados e eu fico enchendo a cara de cuba??
- É o 'squema mano.
- Puta que pariu.

A porta do elevador abre novamente. Desta vez, de volta ao terceiro andar do bom e velho prédio onde Overman mora. Ele sai em disparada em direção ao seu apartamento, sendo que o fantasma só teve tempo de dizer uma última frase:

- Ô mano, não rola uma "caixinha" pra nóis aqui não?? Ô...

Mas Overman já ia longe.

(Amanhã o grand finale...)

Nenhum comentário: