domingo, 19 de dezembro de 2004

Conto de Natal da SIC - Parte II

(Leia a parte I no post de sábado)

Já era noite quando Overman tinha comido um resto de pizza do dia anterior e agora preparava a sua ceia de Natal: meia dose de vodka, meia dose de coca-cola, limão e gelo. Depois de entornar uma boa dose, a campainha do apartamento tocou. "Devem ser aqueles lixeiros que enchem o saco toda véspera de Natal", pensou ele. A campainha tocava insistentemente.

- Já vái, ô merda!! - abriu a porta - mas que porr...

Diante de sua porta não tinha nenhum lixeiro desdentado, mas sim uma velhinha sorridente.

- Oi meu filho. Sou sua vizinha aqui do 307. Posso te pedir um favor?
- Hã, vizinha? Mas eu nunca vi a senhora por aqui.
- É que eu não saio muito de casa, meu filho. Mas posso te pedir um favorzinho? É que a minha televisão não está funcionando direito. E hoje é véspera de Natal, não é? Eu queria poder ver a missa do galo mais tarde, eu podia ligar pra...
- Ok, ok. Eu vou ali, interrompeu ele. Na verdade queria era se ver livre daquilo e voltar para a sua "ceia" natalina.

Entrou no apartamento com a velhinha. Reparou que tudo ali dentro podia estar dentro de um antiquário, incluindo a dona do apartamento, que aparentava ser muito velha mesmo, ainda que estivesse bem lúcida. E quem não estava muito lúcido era Overman, já que a primeira dose que ele havia entornado a pouco começava a fazer efeito.

- Ó meu filho, é aqui a t.v.

A televisão estava ligada, mas a imagem aparecia distorcida. Na verdade, parecia ser um modelo tão antigo que devia ser um milagre que ela pudesse estar ligada.
Então Overman, imbuído de todo o seu conhecimento técnico a respeito de eletrônicos e afins, deu um tapão no tampo do aparelho. A imagem ficou surpreendentemente nítida, com se fosse uma tela de alta-definição passando algum DVD.

- Olha meu filho, deu certo. Tá passando um filme até! Senta aqui e olha só.

Overman sentou na poltrona ao lado da t.v. e achou aquele filme familiar. Mostrava uma grande familia em torno de uma ceia de Natal. E as pessoas lhe eram bem conhecidas.

- Perae!!! Eu já vi esse filme! Aquele guri cabeludo ali sou eu com sete anos!!! Ah, não, não vai me dizer que tu é...
- Isso mesmo meu filho, o fantasma dos natais passados!
- Caralho...
- Óóólha essa lingua! Presta atenção no filme, vai querido.

Era uma ceia de Natal de muitos natais atrás. Toda a familia reunida, risos, bebida, comida, brincadeiras com as primas, etc. Aquela coisa toda.

- Ô tia, o que é aquilo ali na minha cara?
- É um sorriso, meu filho.
- Ah é. Já tinha esquecido como fazia.
- Peraí querido, já vi que esse filme não te agradou muito. Deixa eu ver o que está passando nos outros canais.

E mudou de canal. A tela mostrava agora jovens sentados numa mesa de bar. Era o bar da faculdade, véspera do Natal do último ano de curso. Overman e seus colegas comentavam os planos e projetos para depois da formatura. Havia algum pessimismo no ar, mas a esperança era maior.
Mudou de canal de novo. A véspera de Natal agora era mais recente, um pouco antes de Overman começar a trabalhar, ele estava reunido com menos familiares, um pouco emburrado porque não conseguia arranjar emprego, mais ainda celebrando a data.
Mais um canal. Era a véspera do Natal passado. A imagem mostrava Overman deitado na cama do seu apartamento, dormindo, depois de ter degustado aquela sua "ceia" de Natal característica.

- Chega né, meu filho? Concluiu alguma coisa?

Overman estava zonzo. Mas juntou forças para responder.

- Isso tudo quer dizer que eu, antes de ser um desinfeliz que preferiu morar sozinho e trabalhar feito uma mula para encher o cú de dinheiro, era um carinha legal e feliz. Idiota, mas feliz. E que na verdade, o meu ódio pelo Natal não passa de recalque por estar ralando o cú todo dia e mesmo assim me sentir um inútil? Era essa a conclusão que eu tinha que chegar?
- Mas que lingua suja, hein?
- Era ou não era?
- Não sei querido. Sou apenas uma velhinha.
- Com licença. Pra mim chega. Devo estar ficando louco.

Levantou-se e foi embora. Mas não voltou direto para o seu apartamento. Decidiu que precisa tomar um ar e foi em direção ao elevador.

(Continua...)

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